terça-feira, 1 de setembro de 2009

Operacionais terroristas usam Portugal como plataforma


BURACO LEGISLATIVO É CONVITE A ILEGAIS
Basta um número de telefone português e um passaporte comprado no mercado negro, por mil euros, para que qualquer terrorista passe 30 dias no País, ao abrigo da lei. A Polícia diz que Portugal é “um paraíso para criminosos” e confessa-se de mãos atadas.
As redes de crime organizado estão a usar um buraco na lei 23/2007 para fazerem girar em Portugal os seus operacionais. A legislação permite a qualquer imigrante ilegal passar 30 dias em Portugal sem qualquer papel mas, ao abrigo do período de regularização, nem as polícias nem o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras podem deter estes homens e mulheres, que abusam da boa vontade do legislador.
José Manuel Anes, director do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, alerta: “A lei é feita para pessoas bem intencionadas, mas existe, neste momento, um problema grave. A simplificação do processo foi aproveitada por pessoas ligadas ao crime organizado, ao tráfico de pessoas e de bens”. Estão à solta em Portugal, sem que a polícia lhes deite a mão. “Há em portugal, neste momento, redes de todo o tipo. Entre elas, pessoas que vêm do Paquistão ou do Bangladesh e estão ligados a redes terroristas. Nem todos os paquistaneses ou cidadãos do Bangladesh são terroristas, alerto para isto. Mas alguns que passam por aqui, estão ligados a organizações muito sensíveis”, denúncia o especialista.
Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sócio-profissional da Polícia de Segurança Pública, vai mais longe: “A PSP, por vezes, nem sabe o que há-de fazer com estas pessoas que estão no limbo. Ás vezes sabemos que está ali um criminoso e, se à partida temos essa ideia, a lei trava-nos e os prevaricadores sabem bem que estão a coberto dessas disposições”, diz o líder associativo dos polícias.
O drama agravou-se nos últimos meses, segundo alerta uma fonte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Tudo começa numa página da Internet, patrocinada pelo SEF, e que permite a qualquer cidadão de um país estrangeiro pedir para regularizar a sua situação perante o Estado Português. A inscrição no site, que é considerada oficial e legal, é feita ao abrigo da nova lei de Imigração e facilita a relação do Estado Português com os estrangeiros que decidam viver em Portugal. Acontece que, ao abrigo dessa lei - e da forma simplificada com que o processo é tratado pela via digital -, têm invadido as fronteiras portuguesas algumas pessoas cujo principal interesse não é serem acolhidas legalmente, mas apenas conseguirem a entrada no País e fazerem dele plataforma de actividade criminais.
O processo de legalização online tem três passos fundamentais e várias redes especializadas em imigração ilegal perceberam rapidamente os buracos da lei. A maior dor de cabeça, agora que o novo sistema está em vigor, tem recaído exactamente nos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a braços com uma malha enorme nos procedimentos, aberta pela urgência de colocar na Internet todos os processos burocráticos que antes eram tratados em embaixadas ou consulados.
O primeiro passo é aceder à página de Internet do SEF e escolher os menus que permitem pedir a regularização de estada de um qualquer cidadão no espaço nacional. Ali, há que colocar a chamada “manifestação de interesse”, um pequeno texto onde o estrangeiro deve justificar o seu interesse em vir para Portugal e apresentar também quem o quer contratar para trabalhar em Portugal. Depois, terá que fornecer um telefone português. Aqui entram em acção as redes de imigração ilegal, prontas para dar uma ajudinha a quem queira entrar nas nossas fronteiras. Um operacional dos serviços secretos nacionais conta como se procede a seguir: “Os telefones que essas pessoas dão são, normalmente, contactos fixos que nos levam sempre à zona do Martim Moniz, em Lisboa. É aí, e à volta, que estão localizados os grupos facilitadores”.
Nuno Magalhães, antigo secretário de Estado do XV Governo, que votou contra esta lei já na actual legislatura, esclarece: “Portugal arranjou uma maneira de legalizar pessoas que vai contra tudo o que se faz na Europa. Aqui, basta que alguém escreva numa folha A4 que tem intenção de contratar uma pessoa para que o SEF tome essa declaração como boa para passar um visto de trabalho. Nós, CDS, avisámos para que as consequências iam ser terríveis e está à vista o resultado”.
A zona do Martim Moniz, entre a Praça da Figueira e a Rua da Palma, e ainda encostada ao bairro histórico da Mouraria, em plena Baixa de Lisboa, é paragem habitual de cidadãos africanos, do médio oriente ou asiáticos. Ali têm as suas lojas, as pequenas empresas, armazenistas de comida oriental, clínicas de medicina alternativa. Ali, também, se escondem algumas casas de facilitação de imigração ilegal, bem identificadas quer pelos serviços de informação, quer pelas polícias.
Quando o estrangeiro dá um número de telefone, do lado de cá estará alguém pronto a responder como amigo ou familiar do interessado. É também ali que estão as empresas, na maior parte fictícias, que ajudam os imigrantes a obter cartas de “manifestação de interesse”. A partir do momento em que o candidato é contactado, é estabelecido um prazo para que se apresente às autoridades portuguesas, já em território nacional.
Aqui, o imigrante, ainda ilegal, tem duas possibilidades. Ou está no Espaço Schengen, e pode viajar livremente para o nosso País; ou terá que recorrer a um passaporte e vinhetas de visto, ambos falsos ou adulterados. Mas nem isto é difícil de obter. “A maior parte dos passaportes falsificados, ou adulterados, provêm do Brasil e do Senegal”, conta outro operacional dos serviços de informação. “Um passaporte dos novos é muito difícil de falsificar, por isso as pessoas que chegam, trazem um adulterado. Cada um pode custar mil euros, no mercado negro africano ou sul-americano”. Mil euros, para estes mercados, é uma pequena fortuna.
Outro dos trâmites que é necessário cumprir, caso não tenha passaporte, é a colocação de vinhetas de visto. Aqui, outra vez os mercados brasileiro e senegalês funcionam bem, uma vez que a falsificação das vinhetas não é tão complexa como a de um passaporte.
Chegado à fronteira, o ilegal tem agora de conseguir fugir às autoridades mais especializadas. Uma simples barreira policial de trânsito não detectará, em princípio, os documentos adulterados, o que já não acontece se o indivíduo se deparar com uma brigada do SEF. Por isso, a via terrestre é a preferida pela maioria dos que tentam entrar em Portugal.
Já cá dentro, basta agora cumprir a apresentação no local marcado pelo SEF, no dia e hora combinados. E aqui, a lei é benevolente com o ilegal. A lei, aliás, parte do bom princípio de que quem se apresenta está de boa fé. Só que é essa boa fé que qualquer meliante toma para contornar dificuldades.
A entrevista, em que os documentos são revistos, levantará sempre problemas. Mas, segundo a legislação, qualquer candidato tem 30 dias para voltar aos serviços e re-apresentar toda a papelada. O papel que mais falta, e que é pedido por lei, é a inscrição na Segurança Social.
Prossegue Nuno Magalhães, antigo titular da pasta da emigração: “Quando o Governo do PS negou a hipótese de fazer um processo extraordinário de legalização e inventou esta lei, abriu-se uma espécie de território de ninguém, que é bem recebido pelo crime organizado. O pior é que alguns dos ilegais que procuram regularizar-se estão a fazê-lo a mando de bandos profissionalizados, vítimas de exploração. Esta lei é absurda, mas compreende-se que o processo extraordinário para legalizar imigrantes tenha sido deixado na gaveta. Sabe-se hoje que, por cada 10 mil legalizados, há 30 mil que esperam em bolsas rotativas, espalhados pela Europa, que aproveitam logo a oportunidade para pedir papéis”.
O agora deputado alerta: “Falamos de organizações muito informadas e estruturadas que se aperceberam de que a lei portuguesa é peculiar e têm aproveitado bem a situação. Para mais, a situação geográfica portuguesa permite que o País se transforme em porta de entrada e placa giratória para criminosos. O que se provocou foi um país com normas dúbias e laxista no controlo de entradas. O efeito é este: estabelecimento de grupos organizados”.
Para Paulo Rodrigues, dirigente da ASPP, “o limbo legislativo, aqueles 30 dias em que os imigrantes nem são legais nem ilegais, dificulta o trabalho a todos os níveis: aqueles que estão por mal utilizam esse período para o que quiserem. É um paraíso para os criminosos”, protesta. Rodrigues relata ainda a dificuldade em lidar com situações surgidas nestes períodos: “As polícias têm sido confrontadas com problemas muito difíceis, porque alguns imigrantes conseguem entrar em Portugal e depois sair daqui para outros países da Europa. Colegas franceses diziam-me há dias que os brasileiros que estão em França, na sua maioria, conseguiram entrar na Europa via Portugal, e já têm todos papéis legais, apesar de não terem trabalho ou morada certa”.
A PSP já fez dezenas de rusgas a zonas identificadas como cerne da imigração ilegal, como a Baixa lisboeta, a Charneca de Caparica e Setúbal. Em todas as operações, cerca de 90 por cento das pessoas identificadas estão em situação ilegal. Mas aqueles que estão no “limbo” passam pelas largas malhas da Justiça. Conclui Paulo Rodrigues: “A PSP, nessas operações, alerta o SEF. O SEF, depois, não sabe o que fazer, porque a lei permite a estada dessas pessoas sem papéis... Há ainda muitos advogados que defendem os seus clientes, fazem o seu papel, mas às vezes complicam os procedimentos. Esta legislação dá, claramente, para ser torneada de maneira fácil”.
José Manuel Anes, do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, sintentiza o que é necessário fazer: “Tem de haver uma excelente colaboração entre todas as polícias, nacionais e estrangeiras, e a informação deve circular com rapidez”. Internamente, o especialista em terrorismo e criminalidade alerta para que todos os serviços, do SIS ao SIED, passando pelo SEF e pelas polícias, devem ter “uma excelente ligação”, sob pena de as redes criminosas continuarem a passear pelo território nacional.
Allah Akbar

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